terça-feira, julho 31, 2007

as arcas do passado

Era costume, no Carnaval, a madrinha Helena pintar-me uns bigodes, encabeçar-me com um côco inglês, adornar-me com uma capa preta finamente bordada e uma bengala encastoada a ouro, coisas das arcas do passado tiradas...
Esta foto data de 14 de Fevereiro de 1961 (tinha 6 anos) e foi tirada por meu pai, Álvaro.
sede d'amora
até agreste.
a sede...
hoje artrópode.
mais insignificante ainda.
metamorfoseado em voluta de ramaria.

segunda-feira, julho 30, 2007


domingo, julho 29, 2007

furias

As furias eram, para os romanos, três divindades infernais encarregadas de atormentar a consciência dos culpados: Tisífone, Megera e Alecto (as três Erínias moradoras no Érebo, i.é., a Treva dos Infernos).
A estas mesmas divindades chamavam os gregos eumenides, que quer dizer ‘deusa benévola’.
Como são, pois, benévolas as furias?
Entendendo a palavra grega por eufemismo e antífrase.
Porquê?
Porque os antigos tinham por mau agouro dar a certas divindades maléficas nomes que lembrassem a sua malignidade. Assim, se as furias eram as divindades que atormentavam os ‘maus’ depois da morte, e os agitavam ainda em vida com terrores, pesadelos e visões espantosas, em vez de lhes dar um nome indicativo deste funesto mester, chamavam-lhes eumenides, i.é, as benévolas.
Também o antropónimo de Caronte, o barqueiro encarregado de passar as almas pelos pântanos de Aquaronte, quer dizer 'gracioso', sendo um génio do mundo infernal, comummente descrito e pintado pelos artistas como um monstro hirsuto, desgrenhado e de uma absoluta fealdade.

fibras do chão rompidas. (a)ira(do) o rangido muda a cinza com q(u)al se coalha. pedra ou mortalha.

ebúlio (sor)ver do frémito. a carne . nu mosaico e na memória (a)tende e ‘stala.

o diabo e a vespa

post de amora agreste

'Nas Varetas Dum Leque' , Guerra Junqueiro


No Éden uma vez, era de madrugada,
Zumbia numa rosa uma vespa doirada.

Satanás, como sai da concha um caracol,
Tenebroso e escorrendo em púrpuras de sol,
Saiu alegremente a rir d’entre o arvoredo,
Chegou ao pé de Deus e disse-lhe um segredo,
Em voz baixa, ao ouvido.
Isto foi na manhã
Em que Eva devorou a célebre maçã
E Deus disse ao Demónio
- Ó brejeiro, é preciso
Dar armas à mulher para que o homem peque… -

E Jeová da rosa então fez um sorriso,

E das asas da vespa o Diabo fez-lhe um leque.
post de amora agreste

sexta-feira, julho 27, 2007

solitário



escuta-nos tão sós cingidos

quinta-feira, julho 26, 2007

o cão joyce (de james)



...Vou para dormir uma siesta (que a lavoira mói os mais empedrenidos!) e está o Joyce refastelado... acorda incomodado, olha perturbado e... fica indiferente...
... Só se safa o Argos, por aí a dormir nalgum sofá. O cágado Guterres teve um ataque de cloro num skimmer (?) ; a rã Milú foi coaxar para as Berlengas, pois gaba muito o faroleiro (o único lusitano que a atura, para desenfastiar das gaivotas!).
... SOS!!! Quem me tira deste jardim zoológico?

o gato sócrates


O gato sócrates é um gato indigente que apareceu por aqui, esquálido, tossiqueiro e sarnento. Cuidado e alimentado ganhou peso, perdeu sarna e tosse e fez-se um abusador. Ei-lo aqui, a dormir a sesta, na minha preguiceira do jardim. Não teme os cães, que lhe rosnam com algum respeito, convoca os amigos da vizinhança, à hora da ceia, um particularmente empertigado e arisco, o aníbal, faz com ele uma parelha de respeito. Como vêem, veni, vidi, vici. Qualquer dia toma posse da casa e desaloja-nos a todos.

Nota: qualquer analogia com a realidade política é pura coincidência

letal pego

no pego fundo do córrego
silentes e fusilíneos
fendem haurido ar
em cardumes tão certeiros
acerados e fatais
como frechas de besteiros

urbe

a forma dos lugares, ou morfotopia

quarta-feira, julho 25, 2007

hoje, não há palavras...


terça-feira, julho 24, 2007

a Zarzuela e o Cipreste

esta noite a lua murmurou-te nua
(eras um cipreste estrénue na noite agreste)
das zarzuelas de Nebra a mais bela...

segunda-feira, julho 23, 2007

apartar

o afastamento não é estigma
cultiva-o
e será a semente pródiga da relação

domingo, julho 22, 2007

o choupo e o nenúfar


há um arrimo
perdido
na tua latitude

e a jusante
persiste
porfiada a espera

água de facas


a ode entoada não era uníssona
paródia do canto



a loa quase fulgiu na sátira da intenção
falhada no tom dolente



o júbilo real padeceu da essência
a trama da troça



ou a decisão de decidir que o acto não era sério
e dele rir



falhou o intento no par a decisão é comum
e o desejo teceu trégua



para parodiar a paródia
e dar força à ode



prólogo veemente do canto comum
a par finado

sábado, julho 21, 2007

verdes. os dias...


sou sensível à saudade
à brisa crepuscular
e ao pulsar de teu seio

dias de sábado


cada dia que aos dias se junta
aumenta o tédio e as teias de tédio tecidas
em que oscilo alheamentos e vacilo inércias

sexta-feira, julho 20, 2007

Mulher de Bençam


No livro Um Escritor Confessa-se, escrito em 1962 (um ano antes do seu passamento) e publicado postumamente em 1974, Aquilino Ribeiro abarca um período de sua vida compreendido entre a saída do Colégio de Lamego (donde meu pai foi expulso no final da década de 30, por razões de saias) e a fuga para Paris, em 1908, com 23 anos.

Na página 35 da 1ª edição escreve: "Faltava-me filosofia, fui estudá-la para Viseu com Júlio Alves Martins, sobrinho do celebrado bispo do mesmo nome." Mais adiante, pág. 41, continua: "O meu explicador era o senhor Júlio Alves Martins, atrás nomeado, funcionário do Banco Agrícola e Industrial, boa pessoa, que sabia da poda tanto como eu." A pág. 43 remata sobre este assunto: "Um dia Júlio Martins proporcionou-me ver a meu contento o rapaz salta-pocinhas, de cabelo de asa de corvo, que voltava da escola. Ele acercou-se de nós buliçoso e risonho, fronte bonita, que havia de ser o poeta António Alves Martins, autor de Anunciação e Mulher de Benção. Nada tinha de especial, fora os grandes olhos, com uma palheta de curiosidade ao fundo dum longo corredor negro, e as orelhas despegadas dos parietais. Teve um trânsito breve e complexo na vida."

A título de curiosidade, ao reler a obra para um trabalho que se quer urgente, o referido toou-me na memória. Fui vasculhar nos meus livros e de lá descobri um dos citados, edição da Renascença Portuguesa, publicado no Porto, em 1923. Dedicado no frontispício a "Isabel Maria, Minha Mulher", colige um conjunto de poemas dos quais deixamos este soneto, testemunho avulso, sem comentários, e ao leitor a sua crítica:


Destino


No nome, santa e rainha;
Na humildade, pastora;
No amor, a luz de aurora;
Na saudade, a tardinha!

Na alegria, uma andorinha;
No olhar, sonho que enflora;
E na voz frauta sonora,
Tocada de manhãsinha!

Divina e humana existência,
É flor e é essência:
É da Terra e é dos Céus...

Na ânsia, sopro de aragem;
Filha do homem, na imagem;
Na alma, filha de Deus!

O Malhadinhas


Première do estudo do artista plástico Pedro Albuquerque, para a ilustração de O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro.
António Malhada, o pícaro almocreve de Barrelas, no vigor da idade.

ciclo das folhas






quinta-feira, julho 19, 2007

pandemonium


... e ao movimento!





quarta-feira, julho 18, 2007

baldoar






"Há palavras que fazem bater mais depressa o coração." A. Negreiros

Há palavras que nada me dizem ou se dizem
dizem apenas aquilo a que se referem
ou melhor
Todas as palavras dizem mas a maioria
a mim
diz-me pouco. O pouco a que se referem (e o referido)
é a trivialidade isolada.
Se juntar a uma palavra outra palavra
já estou a sair do isolamento da palavra
E duas palavras já dizem mais. Porém
há palavras sozinhas que dizem muito mais
que três ou quatro cinco palavras juntas e dessas palavras
sozinhas há palavras
que me perturbam e perturbado
turva-se-me o olhar
acelera-se-me o coração
e são tão poucas as palavras que me agitam
que não consigo ordená-las
e dentre essas palavras há-as
que me estremecem ruborizam
e à noite fazem buracos escuros no sono
febre no corpo agitado torpor na língua
e não consigo dizê-la(s)
e porque as guardo sigilosamente
e não as uso nem em silêncio
continuarão a secar-me a boca como algas na areia
humedecer-me as mãos como seixos no rio
a serem meu desconsolo como solos secos
até desgraça como vis misérias

Há palavras que não digo que me estremecem
e desgraçam
e não precisam de estar acompanhadas

Há palavras solitárias
que definem tudo o que indefinimos
e definham no horizonte para lá do horizonte

Há palavras assim

Como a papoila no cetim branco do caixão
mancham o branco com uma mancha
de vida onde não há lugar para a vida
e estas palavras quue nomeiam mas não digo (não dizem)
fecham-se dentro de mim (delas próprias)
fenecem atrofiadas morrem
as palavras inditas
são palavras mortas
da pior morte. A morte
ignorada. As palavras não sabem porquê
e na tua boca não queimam. Antes
refrescam teus lábios e riem-se
nos teus olhos. E aí há
Vida.

As palavras que eu matei em ti
Brotam bica fonte fresca monte abaixo
Tão ausentes do meu soluçado requiem

Há palavras assim em mim que em ti
na tua boca sorriem e à minha
não acedem nem anuem
porque são da negação

E entre as palavras mesmo
As que nada me dizem e eu poderia dizer
não digo ao pé de ti cuja presença ladra
rouba qualquer valor graça
ao dito ou à possibilidade de dizer...

Foste tu então só tu que me mataste
as palavras e as que me deixaste
perderam o dizer

Foste tu então só tu e se calhar nem tu
mas o gesto tido ou até a ausência do gesto tido
a causa da nudez da morte encobrimento
fatal das palavras que tinha para ti me turvam por dizer
e não são torvas sim
desassossego magia encantamento
nunca dito(s)



Viseu, 28 de Maio de 2000
in Ave Azul

A minha vizinha C. e o Joyce...

A maldade de alguns seres humanos nada tem a ver com a cândida bondade das crianças e a espontânea lealdade dos canídeos...!

terça-feira, julho 17, 2007

Barrett

Barrett é um pintor de origem inglesa há muito radicado em Portugal. Desta série, "A menina da bicicleta" e os "Moliceiros", destoam um pouco, na sua singeleza monocromática, da temática que mais o celebrizou: as diversas interpretações de Fernando Pessoa.

Açores

Tela do pintor açoreano, Manuel da Silva, 1999. Este artista é docente universitário nos EUA e tem como topos da sua obra a paisagem da sua terra natal, em múltiplas variações da obra aqui mostrada.

segunda-feira, julho 16, 2007

rotas de luz II

natural
artificial


Circuito da Boavista

( interpretação livre a bordo do bólide)

rotas de luz

caminhos do solcaminhos da sombra

o início da semana


domingo, julho 15, 2007

Singela homenagem ao Mestre

'Passei' a jornada com Aquilino Ribeiro.
Ao fim do dia, a lápis 8B, saiu-me este desenhinho.
Sem presunções de quem sabe que não sabe desenhar.
Ainda assim, a homenagem.'

palavras de homens mortos

"Dos vivos herdam-se palavras. Dos mortos, coisas."
José Gomes Ferreira, Uma inútil nota preambular, in Um Escritor Confessa-se, de Aquilino Ribeiro, Bertrand, 1972.

revisitar o passado IV

O piano da avó Natividade, entregue ao pó e às traças.
Talvez a mais pungente das imagens. A partitura há meio século assim aberta... execução suspensa. Inacabada...
Teclas sem dedos. Teclas áfonas. Teclas...



revisitar o passado III

Biombo de vidro emoldurado em madeira de castanho, pintado pela avó Natividade (assim chamada pela mãe morrer no parto).

revisitar o passado II

o tio-bisavô Almeida Carreira, que trouxe o "olho azul" para a família

revisitar o passado I

livros com Camilo e um tio-bisavô
esculturas em argila
secretárias tomadas de pó
meu bisavó António
minha bisavô Joana livros
Por motivos de herança e partilhas fui compelido a ir a casa dos meus avós paternos.
Marco fundamental da minha meninice e adolescência, foi um sítio que me viu crescer até à idade adulta e do qual preservo recordação mui grata.
Porém, o tempo e a ausência de gente viva, fundo deixa irreversíveis marcas da decrepitude, da ruína, da desolação.
Esta diligência, acabou assim por se tornar, não numa peregrinação ao mais funda da memória, mas sim numa constrangedora consternação.
Deixo-vos fotografias da biblioteca/escritório de meu avô.